Itaquerão ainda é estádio fantasma


Correio vai ao terreno onde será construído o estádio do Corinthians e constata: só há mato e terra. Diversos problemas ainda impedem o início da obra e candidatura à abertura do Mundial está em risco


São Paulo — Cinco anos após a oficialização do Brasil como o país-sede da Copa do Mundo de 2014, a cidade de São Paulo representa a desorganização do país com relação aos prazos de execução das obras dos estádios. A maior e mais rica metrópole brasileira só não está mais atrasada em seu planejamento para o Mundial do que Natal (RN) e já está praticamente fora da Copa das Confederações de 2013.


Felipe Seffrin/CB/D.A Press
Na fachada do terreno, o velho portão com o escudo do Corinthians: a Odebrecht ainda não colocou nem os tapumes
O Correio foi ao terreno abandonado na Zona Leste, onde o Corinthians planeja construir seu estádio, avalizado pelo Poder Público como a sede paulista, e só encontrou lama e mato. Não existem seguranças nem tapumes da empreiteira Odebrecht, responsável pela futura obra.

Ainda sob análise da Fifa e dos órgãos públicos, o Itaquerão não tem data marcada para sair do papel, tampouco garantias financeiras para virar realidade. Mesmo assim, a cidade quer sediar a abertura da Copa do Mundo. Veja quais são os maiores problemas que o Comitê Organizador Local (COL) terá que resolver para que a capital paulista seja o local da primeira partida do Mundial de 2014.

Dutos da Petrobras
Embaixo do terreno de Itaquera estão dois dutos da Petrobras que transportam produtos altamente inflamáveis (gasolina, querosene de aviação e óleo combustível) entre as cidades de São Caetano do Sul e São José dos Campos. Na semana passada, o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, confessou que a reposição dos dutos só deve estar concluída em agosto.

Felipe Seffrin/CB/D.A Press
Dentro, nem sinal do começo das obras ou da retirada dos dutos subterrâneos da Petrobras
Outro problema está no preço da operação. O presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, chama a tubulação de “dutos malditos”, mas minimiza o problema, dizendo que estão na futura área do estacionamento do estádio. “Quem fez (os dutos) foi a Odebrecht e quem vai tirar é a Odebrecht. Vai custar R$ 2,2 milhões, é um problema simples.”

A Petrobras traz um panorama diferente. “O projeto apresentado prevê o desvio dos dutos para uma área adjacente, obra que pode ser concluída em um prazo de até 120 dias após a concessão da licença ambiental e a cessão do terreno por onde passará a nova faixa de dutos. A estimativa inicial de custo é de até R$ 30 milhões”, afirma em nota a Transpetro, subsidiária para logística e transporte. Questionada sobre quem arcaria com os custos da operação, a empresa respondeu que “a decisão sobre os custos da retirada dos dutos do local compete aos empreendedores do estádio”.

Nas mãos da Justiça
Mesmo se quisesse, o Corinthians não poderia começar as obras no terreno de Itaquera. A área de 197.095m², cedida pela Prefeitura ao Corinthians em 1988 por 90 anos, é objeto de uma ação judicial do Ministério Público. Isso porque o clube não cumpriu o compromisso de construir seu estádio no local em cinco anos. Em 2001, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal de São Paulo concluiu que o alvinegro não fez jus ao acordo de concessão.

Como a Prefeitura não pediu a devolução do terreno, o Ministério Público entrou em ação, teve o processo anulado pelo Tribunal de Justiça em 2005 e voltou à carga em 2008. “A construção do estádio é um desrespeito à Justiça. Falar em construção do estádio é irregular. Estão passando por cima do Poder Judiciário. Eles não podem desconsiderar que há um processo em curso e sob júdice”, declarou o promotor de habitação e urbanismo José Carlos de Freitas, no fim de 2010.

Procurado pelo Correio, o promotor manifestou-se via assessoria, dizendo que não comentaria novamente a situação já que o caso ainda corre na Justiça. O Corinthians espera resolver a pendenga assinando um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MP, oferecendo contrapartidas como, por exemplo, benefícios à população local.

Prazos no vermelho
Candidata à sede da abertura da Copa do Mundo, São Paulo corre sério risco de ficar de fora da Copa das Confederações, torneio marcado para julho de 2013 e considerado o grande teste para o Mundial. Se as obras não começarem a tempo, mesmo com a promessa de três turnos de trabalhadores, dificilmente o Itaquerão estaria concluído até a data. O presidente da Fifa, Joseph Blatter, já admitiu essa possibilidade. “Não temos estádio pronto nem em São Paulo nem no Rio de Janeiro. Talvez não estejam prontos para a Copa das Confederações em 2013”, disparou o dirigente suíço, em março.

O diretor de marketing do Corinthians é ainda mais veemente. “É garantido (que o estádio não será entregue antes da Copa das Confederações)”, admitiu Luis Paulo Rosenberg ao jornal Agora SP. Ao lado de Natal, São Paulo é uma das únicas sedes que ainda não saiu do papel. A previsão de começo das obras, que originalmente era janeiro de 2011, foi empurrada para o fim de abril.

Consultado pelo Correio, o conselheiro do Palmeiras José Cyrillo, ex-encarregado pelas obras da Arena Palestra, descreveu a situação do Corinthians como “bem apertada”. “Sofremos dois anos e quatro meses para termos todos os alvarás. Provavelmente eles só têm o projeto de arquitetura aprovado. Faltam projetos complementares de infraestrutura, como de instalações elétricas, ambientais, que são bem trabalhosos”, explica.

Projeto repleto de dúvidas
Escolhido entre três opções, o projeto do arquiteto Aníbal Coutinho esbarra em uma série de quesitos que põem em xeque a participação da arena na Copa 2014. E ainda mais sua condição de candidata à abertura. A principal questão está no número de assentos. Inicialmente, o estádio teria capacidade para apenas 48 mil pessoas, abaixo dos 65 mil exigidos pela Fifa para o jogo inicial. Com a utilização de arquibancadas móveis, o Corinthians aumentaria a capacidade para 59.842 lugares, ainda menos que o requisitado.

Esta é apenas uma das 109 falhas que a Fifa localizou no projeto corintiano entregue em fevereiro, o maior número entre as 12 sedes. A entidade também questionou as tribunas de imprensa colocadas atrás da linha do gol e a qualidade da estrutura, “muito simples e barata nos lados leste, norte e sul”. Um projeto revisado foi encaminhado à Fifa e está à espera de aprovação.

Na Prefeitura de São Paulo, o projeto técnico foi “aprovado com ressalvas” em tempo recorde de dois meses, o suficiente para o diretor de marketing do Corinthians comemorar. “Nem um sobradinho seria aprovado em prazo tão curto”, festejou Luis Paulo Rosenberg. O arquiteto responsável e o Comitê Paulista não retornaram os pedidos de mais informações sobre o projeto.

Falta dinheiro
Como qualquer outra sede da Copa que pretende construir ou reformar um estádio e tem garantias financeiras asseguradas, o Corinthians tem direito a um empréstimo de R$ 400 milhões do BNDES. O problema é que a adequação do projeto para a abertura eleva os custos da obra para R$ 600 milhões. O alvinegro não tem intenção de pagar os R$ 200 milhões excedentes.

A Prefeitura e o Governo de São Paulo garantem que não haverá dinheiro público na obra e até agora não se sabe quem pagará a conta do Itaquerão. Questionado sobre o atraso, o presidente corintiano, Andrés Sanchez, escancarou a dificuldade financeira. “Qual é o problema do mundo, tirando a paixão e o amor? É grana”, disparou. Apesar de ser um estádio particular, o Corinthians espera por ação do Poder Público diante do risco de São Paulo perder a Copa e ainda aguarda que empresas privadas se utilizem das leis de incentivos fiscais existentes na degradada Zona Leste de São Paulo.

TCU preocupado
Ontem, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Valmir Campelo afirmou que está preocupado com a demora da obra em Itaquera. “Pelo menos os outros Estados já estão demolindo, já estão fazendo (obras), o que não há ainda em São Paulo. É um Estado que não pode ficar de fora da Copa e não vai ficar, mas tenho a preocupação com os atrasos, o corre-corre na execução dessas obras.”

Decisão prorrogada em Brasília
Ocorreu ontem a audiência de conciliação sobre as obras no Estádio Nacional de Brasília, o novo Mané Garrincha. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) entrou com pedido de liminar contra o GDF, o Ibram, a Novacap e o Consórcio Brasília 2014, alegando que não há licenciamento ambiental e que não houve estudo de impacto de vizinhança para a construção. Como não se chegou a um consenso entre as partes, o juiz Carlos Divino Rodrigues, da Vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF, marcou nova audiência para 25 de maio, às 14h. A Terracap também foi incluída no processo como ré.

Saiba mais
Inicialmente, o estádio paulista para a Copa de 2014 seria o Morumbi, do São Paulo. Porém o Comitê Organizador Local (COL), encabeçado por Ricardo Teixeira, presidente da CBF e desafeto da diretoria são-paulina, dificultou ao máximo a permanência do estádio tricolor nos planos do Mundial. O COL não abriu mão de o São Paulo cumprir um projeto cujo custo estaria em torno de R$ 630 milhões. Como o clube só apresentou garantias para uma reforma mais simples, de R$ 265 milhões, o COL excluiu oficialmente o Morumbi da Copa em 16 de julho de 2010. A cidade então buscou alternativas de local, cogitando reformar o Pacaembu ou adiantar a construção de um megacentro de eventos em Pirituba. Foi então que surgiu o Corinthians, aliando o sonho alvinegro de ter um estádio à necessidade de um local para a Copa.


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